quarta-feira, 28 de maio de 2008

Mandrágora & Special Guests [Portugal / Bretanha]

Mandrágora & Special Guests [Portugal / Bretanha]

Músicos portugueses e bretões juntos num encontro com marca FMM.

Av. Vasco da Gama, 24 Julho 2008, 19h30.
O grupo portuense Mandrágora tem um nome que ressoa na memória secular das florestas europeias, aquela raiz de propriedades mágicas e forma humana que, diz a lenda, grita como uma criança quando a arrancam da terra. É de uma Europa grande e encantada a música que os vamos ouvir fazer em Sines. Prémio José Afonso 2006, o quinteto Filipa Santos, Ricardo Lopes, Pedro Viana, Sérgio Calisto e João Serrador chegam com um disco fresco, “Escarpa”, e um projecto original criado por iniciativa do FMM. Em Abril, estiveram na Bretanha, numa residência artística na Kreiz Breizh Akademi, sob direcção do violinista Jacky Molard. Já conhecemos Jacky de várias actuações em Sines e também o nível da formação da Akademi (Norkst, a sua primeira orquestra, estreou-se em Portugal no FMM 2007). Em Sines teremos, além de Molard, dois músicos dessa academia especializada em recuperar repertório bretão de tradição modal. São eles o clarinetista Guillaume Guern e a cantora luso-francesa Simone Alves. Dão ainda mais horizontes a uma das mais abertas bandas da folk portuguesa.

Escarpa - Rascunho.net

Enfiamos esta Escarpa pelos ouvidos adentro, a ver se nos massaja os ombros, num final de tarde que teima em perecer como todos os outros. E a verdade é que, de orelhas frias, de corpo pálido, vai o nariz pondo-se a jeito de apanhar um muro, duas casas, três muros, uma criança de bicicleta. Vamos neste ouvir alienado, desconfortavelmente sentados à boca do metro, nus de inocências, a querer sair e a ficar, a meter nos bolsos os silêncios literários, os silêncios desolados, as gritarias desconcertantes.

É o que nos permitem: andar alienados de música nos ouvidos, a não ouvir e deixar que o mundo lhe caia em cima, coitada, que não leva culpa disto, que se faz desabrochar nas noites desconfiadas do Porto cinzento e morto de coração e de alegria. Como tudo. Vamos de ouvidos metidos no bolso. E estes Mandrágora fazem de tudo para criar ambiguidades à passeata desonesta que levamos com as calçadas e o cimento e os escapes. A causa é muito simples, não precisamos de grandes viagens, está mesmo aqui: é a ruralidade que eles nos plantam nas mãos. E nós sem ruralidade nenhuma – não estão vocês a ver isto?

E já não temos forças e vamos, seja para onde for. Ruralidade? Pois, que sim. Estamos. Quantos caminhos nos ficam por galgar neste andar de um lado para o outro e voltar a fazer o mesmo? Talvez eles o saibam e talvez seja neles intrínseca a necessidade de ultrapassar a urbanidade do rock e até do jazz, para que se inebriem com as raízes do que fomos e somos e que, sem eles, não voltaremos a ser. O sol, que hoje não nos passou pelas costas a aquecer o corpo, está aqui. E é toda uma espécie de futuro. Que importa se ninguém diz nada? Que importa se ouvimos uma sanfona e nos pomos para aqui a falar de dias vindouros, de quem não conhecemos cor nem rosto.

O pouco que sabemos é que estes Mandrágora partilham uma mesma cidade connosco – o Porto. Disseram-nos, uma vez, que as coisas não se resolvem a existir e pronto. É preciso pôr o pé no processo. (Ou no progresso, ou lá como se diz na língua daquele homem que ali vai, sozinho, que ainda leva o patrão a ranger-lhe os dentes e que não chora porque sabe que não deve chorar. Só por isso.) Há muito que tomámos consciência de que existe uma afirmação no plano musical, mas só com Escarpa – e apenas hoje – nos assola uma ideia oxigenada dos sons que eles nos pintam com as coisas muito práticas, como viver e cortar duas laranjas.


Filipa Santos (flautas, saxofone e gaita-de-foles), Ricardo de Noronha (bateria e percussões), Pedro Viana (guitarra clássica), João Serrador (baixo) e Sérgio Calisto (guitarra de 12 cordas, violoncelo, nyquelarpa, moraharpa e bouzouki) são os Mandrágora (na foto acima, de Jorge Casais). E são capazes de, ao segundo disco, ter uma confirmação quase mágica das esperanças que lhes depositámos no colo por alturas da estreia homónima em 2005 (ed. Zounds) e do Prémio Carlos Paredes em 2006. Mas, agora, a conversa é outra, não se faz de concursos de popularidade e de sim, senhor, estes miúdos novos fazem isto muito bem. Isso já passou. Estamos num novo plano. Um plano que pode ser duro e ingrato – por falta de visibilidade ou de reconhecimento continuado.

Fica-nos uma ideia muito forte deste novo conjunto de composições e de liberdades mestiças: os Mandrágora não andam a brincar aos discos. Sem lhes tirar o mérito devido – o patamar de exigência já se tornou tão baixo, que isto até nos surpreende. Ou talvez devêssemos olhar melhor para o catálogo da Hepta Trad, responsável pela edição deste disco, e perceber que não estamos sozinhos.Sítio Oficial MySpace

Hugo Torres, 2008

terça-feira, 27 de maio de 2008

Mapamundi

Segundo disco de Mandrágora: Escarpa


Monday, 26 May 2008
http://www.mundimapa.com/joomla/index.php?option=com_content&task=view&id=399&Itemid=51

¡Cuántas alegrías nos está dando la música portuguesa últimamente! Bueno, portuguesa, húngara,... hasta estadounidense. Y de ello iremos comentando más luego.Mandrágora es un grupo portugués, que, aunque en su Myspace se definen como "folk", caben, pero exceden ese término (la forma de elegir las categorías en Myspace deja poco lugar para la imaginación...). Escarpa es el segundo disco de este grupo. Podríamos intentar describirlos, describir cómo suenan a inspiración en el folk de su país, pero con una actitud progresiva, como hermanan con naturalidad saxofón y zanfona, como tras unas notas introspectivas del buzuki explota un arrebato envolvente que no deja respiro. Encontrarás algo de todo esto aquí. Maravilloso el tema Candelaria, que además nos recuerda a este otro grupo, que hoy nos anunciaba el envío de su primer flamante disco... Mientras, nos quedamos un poquito más con Escarpa.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Entrevista para aTrompa

EM DIRECTOCom Mandrágora
13Mai08

A surpreenderem mais uma vez com o seu novo álbum, “Escarpa” (Hepta Trad, 2008), os Mandrágora deixaram-nos por aqui algumas respostas:

a trompa: O que move os Mandrágora?
Mandrágora: A nossa motivação principal é fazer música instrumental, composições da nossa autoria que reflectem a vivência musical de cada um dos elementos do grupo. Move-nos essencialmente um gosto muito grande por música de conjunto: apresentar ideias, trabalhá-las, direccionar o nosso trabalho de composição para que o resultado seja do agrado de todos os elementos, fazer música original sem estar balizada por géneros (folk, rock, jazz, etc). Deixar a música fluir e revelar-se por si mesma! .

a trompa: Foi para vocês uma surpresa, as críticas positivas que receberam ao primeiro álbum? Em jeito de balanço, o que acham que cativou as pessoas?
Mandrágora: O que cativou as pessoas terá sido a nossa maneira diferente de conciliar as músicas tradicionais e modernas, porque já toda a gente ouviu montes de fusões superficiais, do tipo melodia tradicional com batida techno ou guitarras com distorção, mas a nossa fusão está na própria concepção das melodias. Ouve-se uma frase e não se consegue identificar de onde aquilo vem. Sabíamos que essa sensação de estranheza ia atrair algumas pessoas, mas ficamos muito surpreendidos, por exemplo, com a atribuição do Prémio Carlos Paredes.

a trompa: Sentiram de algum modo - até pela forma como o vosso 1º disco foi recebido, a chamada ‘pressão do 2º álbum’? Como correram as gravações?
Mandrágora: Houve alguma pressão, mas não mais do que em qualquer outra gravação ou concerto, porque tentamos fazer sempre o melhor que nos é possível. Sabíamos que havia algumas coisas a melhorar face ao primeiro disco. Houve a preocupação de o tornar ritmicamente mais intensos e com mais pujança sonora. No geral, podemos dizer que as gravações correram bem, graças ao trabalho e paciência do técnico Joaquim.

a trompa: “Escarpa” parece querer continuar um trabalho de alguma experimentação, de alguma evolução dentro do campo da música tradicional portuguesa. É correcta esta ideia? Isto é para vocês um objectivo?
Mandrágora: Pode-se dizer que se continua o caminho de experimentação que já vem sendo percorrido desde o primeiro disco, mas não dentro da música tradicional. Mas não somos um grupo de música tradicional, apenas temos a música tradicional como uma das nossas maiores referências, e usamos alguns instrumentos tradicionais de vários países (Portugal, Suécia, Espanha, Irlanda) para fazer a nossas composições. O nosso objectivo é fundir estes instrumentos com outros mais representativos de outros géneros musicais, como o violoncelo e a guitarra clássica, o baixo eléctrico, o saxofone e bateria. Não temos pretensões de fazer evoluir a música tradicional portuguesa pois não a fazemos.. tentamos sim, sempre que possível, criar um som novo e isso é um objectivo nas nossas composições.

a trompa: Como olham o actual panorama da música tradicional - e semelhantes – portuguesa?
Mandrágora: Está a evoluir a olhos vistos, estão muitos projectos a aparecer e outros a lançar novos discos, vivemos um bom momento actualmente, com muita fartura!
a trompa: Podem levantar o véu sobre o concerto de apresentação de “Escarpa”? Há alguma surpresa guardada para o dia 9 de Maio?Mandrágora: Sim temos algumas, mas se dissermos agora deixarão de ser surpresas.

a trompa: Como caracterizam vocês o novo álbum “Escarpa”?
Mandrágora: Um álbum diferente do que actualmente se pode encontrar, com musicas originais e instrumentos diferentes do que, normalmente, costuma ser nosso apanágio.Um álbum cheio de força e na senda de conquistar um lugar na música portuguesa.

a trompa: O que podem esperar as pessoas que vos forem ver ao vivo?
Mandrágora: Muita música instrumental, alguma cantada e boa disposição como de costume.

Mandrágora - «Escarpa» - Grande Sons

Em 2005 o panorama da chamada música tradicional portuguesa abanava com o aparecimento dos portuenses Mandrágora autores de um disco de estreia que os levou a vencer o prémio Carlos Paredes um ano depois. Volvidos três anos e os Mandrágora regressam em formato revisto e aumentado e com novos caminhos na sua música.Chama-se «Escarpa» o novo disco da banda e é um exercício surpreendente em relação ao que se conhecia do seu universo. E como cresceu musicalmente o projecto Mandrágora! A referência tradicional que marcava o disco de estreia, bem apoiada nos sons das flautas, continua lá, mas agora as canções são mais musculadas, ganharam matéria prima mais cara ao jazz muito graças à entrada de Sérgio Calisto e João Serrador, músicos dados ao improviso.A verdade é que «Escarpa» é um registo muito equilibrado, e interessante, que tem como base a rica tradição portuguesa mas que vai muito além desse formato para crescer para peças que chegam a fazer lembrar as explosões intrumentais do chamado post-rock praticado por bandas como os Explosions in the Sky. Pode soar estranho mas na prática resulta em pleno, isto porque a maior parte do álbum vive de temas intrumentais que usam a fórmula de soar calmo até elevar a tensão ritmica ao máximo. A excepção é «Abaixo Esta Serra» tema cantado por Francisco Silva em bom português e que é um ponto alto do disco.Uma passo em frente arriscado mas muito importante e bem conseguido que coloca os Mandrágora na linha da frente da inovação instrumental a partir das raízes tradicionais. «Escarpa» numa palavra é estimulante.

Etiquetas:
posted by J G at 12:40

Escarpa - Mandrágora - Rascunho.net

Escarpa
Mandrágora, 2008


Enfiamos esta Escarpa pelos ouvidos adentro, a ver se nos massaja os ombros, num final de tarde que teima em perecer como todos os outros. E a verdade é que, de orelhas frias, de corpo pálido, vai o nariz pondo-se a jeito de apanhar um muro, duas casas, três muros, uma criança de bicicleta. Vamos neste ouvir alienado, desconfortavelmente sentados à boca do metro, nus de inocências, a querer sair e a ficar, a meter nos bolsos os silêncios literários, os silêncios desolados, as gritarias desconcertantes.

É o que nos permitem: andar alienados de música nos ouvidos, a não ouvir e deixar que o mundo lhe caia em cima, coitada, que não leva culpa disto, que se faz desabrochar nas noites desconfiadas do Porto cinzento e morto de coração e de alegria. Como tudo. Vamos de ouvidos metidos no bolso. E estes Mandrágora fazem de tudo para criar ambiguidades à passeata desonesta que levamos com as calçadas e o cimento e os escapes. A causa é muito simples, não precisamos de grandes viagens, está mesmo aqui: é a ruralidade que eles nos plantam nas mãos. E nós sem ruralidade nenhuma – não estão vocês a ver isto?

E já não temos forças e vamos, seja para onde for. Ruralidade? Pois, que sim. Estamos. Quantos caminhos nos ficam por galgar neste andar de um lado para o outro e voltar a fazer o mesmo? Talvez eles o saibam e talvez seja neles intrínseca a necessidade de ultrapassar a urbanidade do rock e até do jazz, para que se inebriem com as raízes do que fomos e somos e que, sem eles, não voltaremos a ser. O sol, que hoje não nos passou pelas costas a aquecer o corpo, está aqui. E é toda uma espécie de futuro. Que importa se ninguém diz nada? Que importa se ouvimos uma sanfona e nos pomos para aqui a falar de dias vindouros, de quem não conhecemos cor nem rosto.

O pouco que sabemos é que estes Mandrágora partilham uma mesma cidade connosco – o Porto. Disseram-nos, uma vez, que as coisas não se resolvem a existir e pronto. É preciso pôr o pé no processo. (Ou no progresso, ou lá como se diz na língua daquele homem que ali vai, sozinho, que ainda leva o patrão a ranger-lhe os dentes e que não chora porque sabe que não deve chorar. Só por isso.) Há muito que tomámos consciência de que existe uma afirmação no plano musical, mas só com Escarpa – e apenas hoje – nos assola uma ideia oxigenada dos sons que eles nos pintam com as coisas muito práticas, como viver e cortar duas laranjas.


Filipa Santos (flautas, saxofone e gaita-de-foles), Ricardo de Noronha (bateria e percussões), Pedro Viana (guitarra clássica), João Serrador (baixo) e Sérgio Calisto (guitarra de 12 cordas, violoncelo, nyquelarpa, moraharpa e bouzouki) são os Mandrágora (na foto acima, de Jorge Casais). E são capazes de, ao segundo disco, ter uma confirmação quase mágica das esperanças que lhes depositámos no colo por alturas da estreia homónima em 2005 (ed. Zounds) e do Prémio Carlos Paredes em 2006. Mas, agora, a conversa é outra, não se faz de concursos de popularidade e de sim, senhor, estes miúdos novos fazem isto muito bem. Isso já passou. Estamos num novo plano. Um plano que pode ser duro e ingrato – por falta de visibilidade ou de reconhecimento continuado.

Fica-nos uma ideia muito forte deste novo conjunto de composições e de liberdades mestiças: os Mandrágora não andam a brincar aos discos. Sem lhes tirar o mérito devido – o patamar de exigência já se tornou tão baixo, que isto até nos surpreende. Ou talvez devêssemos olhar melhor para o catálogo da Hepta Trad, responsável pela edição deste disco, e perceber que não estamos sozinhos.

Sítio Oficial MySpace

Hugo Torres, 2008

Mandrágora«Escarpa» - Diário digital

«Escarpa», Mandrágora
João Gonçalves

Em 2005 o panorama da chamada música tradicional portuguesa abanava com o aparecimento dos portuenses Mandrágora autores de um disco de estreia que os levou a vencer o prémio Carlos Paredes um ano depois. Volvidos três anos e os Mandrágora regressam em formato revisto e aumentado e com novos caminhos na sua música.
Chama-se «Escarpa» o novo disco da banda e é um exercício surpreendente em relação ao que se conhecia do seu universo. E como cresceu musicalmente o projecto Mandrágora! A referência tradicional que marcava o disco de estreia, bem apoiada nos sons das flautas, continua lá, mas agora as canções são mais musculadas, ganharam matéria prima mais cara ao jazz muito graças à entrada de Sérgio Calisto e João Serrador, músicos dados ao improviso.
A verdade é que «Escarpa» é um registo muito equilibrado, e interessante, que tem como base a rica tradição portuguesa mas que vai muito além desse formato para crescer para peças que chegam a fazer lembrar as explosões intrumentais do chamado post-rock praticado por bandas como os Explosions in the Sky. Pode soar estranho mas na prática resulta em pleno, isto porque a maior parte do álbum vive de temas intrumentais que usam a fórmula de soar calmo até elevar a tensão ritmica ao máximo. A excepção é «Abaixo Esta Serra» tema cantado por Francisco Silva em bom português e que é um ponto alto do disco.
Uma passo em frente arriscado mas muito importante e bem conseguido que coloca os Mandrágora na linha da frente da inovação instrumental a partir das raízes tradicionais. «Escarpa» numa palavra é estimulante.
Mandrágora«Escarpa»Heptatrad
13-05-2008

Mandrágora - Escarpa - Apartes Blog

Segunda-feira, Maio 12

Mandrágora - Escarpa + Fadomorse - Folklore Hardcore
O selo lisboeta Hepta Trad tornou-se, nos últimos tempos, uma referência importante da nova folk portuguesa, ao acolher alguns dos mais interessantes projectos musicais de cariz tradicionalista. Não obstante essa identidade "histórica" transversal aos artistas que pontificam no catálogo da editora, é curto dizer-se que gente como os Dazkarieh, os Mandrágora, os Fadomorse ou os Omiri, por exemplo, são "apenas" veículos da tradição ou meros tradutores dos atavismos do secular manancial da música tradicional portuguesa. Essa fonte riquíssima é, em si mesma, uma genuína sugestão de coordenadas e ensinamentos instrumentais e melódicos que, depois, se acomodam a linguagens e pensares contemporâneos e a feitios de modernidade, assim convocando, no mesmo veio criativo, mágicos fragmentos de anacronismo e o indispensável pendor modernista. Em rigor, trata-se de homenagear a tradição e a história, repensando-a e trazendo-a a órbitas estéticas e escalas estruturais de hoje.

7/10
Hepta TradCompact Records2008

O quinteto Mandrágora, em lançamento de segundo álbum, é exemplo paradigmático desse fôlego reformista das tradições. Depois de um primeiro exercício de gravação incubado nos cânones mais tradicionais da música popular lusa, na altura situado como descendente orgulhoso desse filão, o novo opus desvenda uma curiosa vontade de procurar afinidades entre património histórico-popular e sonoridades mais próprias das urbes. Dizer isto é o mesmo que perceber que os Mandrágora têm, agora, um rumo mais definido do que antes. Não sendo um produto de radicalismos vanguardistas - isso seria atentar contra a identidade da banda - Escarpa é certamente um trabalho mais ousado do que o antecessor, desde logo na forma como os ingredientes tradicionais são postos ao serviço de composições que conjugam a tradição popular e sabores hodiernos que se confundem com alentos progressivos e jazz. A gaita-de-foles está cá, o saxofone especula mais do que antes, as cordas aparecem com oportunidade, a flauta é vírgula indispensável, o baixo e a bateria dão vida ao recanto, a guitarra clássica tece os panos da melodia. E, no meio dos instrumentais, ainda cabe uma canção inteira ("Abaixo Esta Serra"), com o canto cortês de Francisco Silva (Old Jerusalem).

segunda-feira, 5 de maio de 2008

OLHARES|”Escarpa” - Mandrágora

Uma ansiedade tornada realidade; a realidade da novidade. É hoje editado o novo álbum dos portuenses Mandrágora.
Três anos depois do surpreendente “Mandrágora” (Zounds, 2005), os mesmos Mandrágora mostram finalmente o sucessor desse magnífico primeiro álbum; o novo chama-se “Escarpa”. Não, que fosse imperativo provar o que quer que fosse, no entanto, os Mandrágora fizeram questão de voltar a afirmar porque são um dos projectos mais criativos e originais na área da folk nacional. Os artistas, esses, são Filipa Santos (flautas, saxofone e gaita-de-foles), Ricardo de Noronha (bateria e percussões), Pedro Viana (guitarra clássica), João Serrador (baixo) e Sérgio Calisto (guitarra 12 cordas, violoncelo, nyquelarpa, moraharpa e bouzouki). É de arte que falamos.
Sem nunca esconderem as raízes folk que orientam a sua música - nem faria sentido, em “Escarpa”, os Mandrágora encetam uma estonteante correria ladeira abaixo - íngreme, numa velocidade tal, que leva atrás de si um mundo de paixões; não são só tradicionais, tem paixões rock pelo meio - bateria e baixo ajudam , tem uma paixão jazz a olhar de soslaio - com um saxofone em devaneio, tem toda uma nova forma de transformar o presente, mostrando-nos como o futuro pode ser feito de uma luz ainda mais forte que a do presente. É isto que os Mandrágora fazem com grande arrojo, numa reinvenção constante, num deambular experimentalista pelo que o folk permite, experimentar. “Escarpa” permite-nos ser surpreendido a cada faixa.
“Escarpa” é uma explosão; deflagração impulsionada por uma riqueza instrumental única, absorvida por arranjos diferentes, complexos, bem sucedidos na combinação instrumental que é todo o desenho sonoro do grupo. Ao baixo e à bateria, junte-se ainda o trabalho central da guitarra, a magia da gaita-de-foles e das flautas, a diferença do violoncelo, da moraharpa e da nyquelarpa; junte-se ainda o acordeão diatónico de Simone Bottasso, a sanfona de Matteo Dorigo e as vozes de Francisco Silva - também na guitarra - e de Helena Madeira. “Escarpa” é de uma excelência instrumental.
Composto na sua totalidade por temas originais dos Mandrágora - excepto o tradicional da Beira Baixa “O Que Calma Vai Caindo”, “Escarpa” é verdadeiramente luminoso no seu todo, na forma como a produção conseguiu dar à luz tamanha originalidade. É ténue o cruzamento da folk com algumas outras ideias, como o já referido rock, tão ténue que a torna única. Sobre o primeiro disco do grupo, disse-se por aqui em tempos que este era “tradição, inspiração, revolução. A música tradicional nos Mandrágora não é um fim é apenas um meio; não é o resultado, é apenas o processo para uma nova visão da música tradicional; uma visão mais criativa, mais actual.” (1); como tudo continua a fazer sentido; ou mais sentido ainda, num caminho que os Mandrágora continuam a trilhar com toda a segurança e criatividade.
“A raiz que se plantou no início, agora se fez formoso arbusto… ” (1); a plantar magia desde 1999.

sábado, 3 de maio de 2008

Primeiro de Janeiro - Suplemento Se7e - Entrevista

SETE > lançamen7o

Mandrágora editam segunda-feira segundo álbum de originais

Um «Escarpa» menos tradicional.

No segundo trabalho discográfico, os Mandrágora têm uma sonoridade mais urbana, em que o jazz ocupa lugar de destaque, sem no entanto deixarem cair o cunho tradicional e folk que sempre os caracterizou. «Escarpa» mostra um colectivo em fase de transformação, oferecendo uma música de fusão e que, acima de tudo, soa bastante agradável.
O «Porto, Bairro a Bairro» vai conhecê-lo, pois a partir de sexta-feira estão agendadas quatro actuações em outros tantos auditórios da cidade Invicta. Pedro Vasco Oliveira«Escarpa», o segundo álbum dos portuenses Mandrágora, chega segunda-feira às lojas. Para o apresentar, quatro auditórios do Porto recebem a banda: Auditório do ISEP (dia 9), Auditório de Aldoar (10), Auditório da Pasteleira (16) e Auditório de Campanhã (17). Os Mandrágora integram o projecto «Porto, Bairro a Bairro» e aproveitam para apresentar o novo trabalho ao público da Invicta.Pedro Viana e Ricardo Lopes contaram ao SE7E como descobriram esta «Escarpa» e de que forma a pretendem mostrar ao público.
Os dois músicos fazem parte de um colectivo alargado, que integra ainda Filipa Santos, Sérgio Calisto e João Serrador, contando, no disco e nestes quatro concertos, com as participações de Helena Madeira e Francisco Silva.Como os próprios dizem “a raiz que se plantou no início, agora se fez formoso arbusto...”.

Que «Escarpa» é esta?
Pedro Viana (PV) – Quando andávamos à procura de um nome para o disco queríamos um que pudéssemos associar à música, porque quando se faz música instrumental nem sempre é fácil de encontrar os nomes certos. Em relação ao outro disco este tem momentos mais explosivos, momentos em que a música vai lá cima e depois volta a descer. Este tem momentos mais fortes do que o outro, que era um pouco mais redondo e este é mais escarpado. Basicamente, essa é a ideia.

Olhando ao primeiro disco, em que sentido acham ter evoluído?
Ricardo Lopes (RL) – No primeiro disco participaram dois músicos que entretanto saíram da banda e a evolução deu-se a partir do momento em que entraram o Sérgio Calisto e o João Serrador. Com os instrumentos que tocam trouxeram uma outra abordagem à música que fazíamos. No primeiro disco usávamos nas músicas mais flautas e tínhamos temas mais tradicionais, entre aspas; neste, devido à entrada do Sérgio e do João, que trouxeram as influências e os instrumentos deles, a nossa sonoridade transformou-se e evoluiu para o que hoje é a «Escarpa».

O sentido mais tradicional da vossa música é mais representado pelos que se mantêm na banda desde o disco «Mandrágora» e a urbanidade mais pelos novos elementos?
RN – Pode ser visto por esse prisma… No início, como éramos só três, a música era um bocado mais simples, mas quando eles entraram trouxeram com eles essa tal urbanidade que transformou a nossa música por completo.

Ao ouvir esta «Escarpa» reconhece-se uma forte componente jazzística na sonoridade da banda. Essa é uma marca indelével nesta «Escarpa»?
RN – Sim.
PV – É normal, porque quando gravámos o primeiro disco já ouvíamos e gostávamos de jazz e até já havia momentos que tinham o seu toque jazzístico… Só que a instrumentação, se calhar, não mostrava tanto isso. Agora, como a Filipa está a usar muito mais o saxofone, isso está sempre presente. E o João Serrador, que também é um músico com formação de jazz, ainda veio acentuar mais esse lado. O Ricardo também alterou a forma de tocar, agora faz umas percussões muito mais bateria, enquanto dantes era mais próximos das percussões tradicionais. Acabamos por nos influenciar todos uns aos outros e o resultado final é este. Há ali um toque jazzístico, como há um toque de muitas outras coisas.

E com que referências se chega a um resultado destes?
RN – As referências é o que cada um ouve, o que cada um gosta, que vão desde bandas tradicionais suecas, a grupos de jazz, aqui do Porto, por exemplo… Penso que é o resultado do que toda a gente gosta um pouco e todos trazem para a banda.

Como foi o processo de composição deste «Escarpa»?
RN – Com a entrada do Sérgio Calisto e do João Serrador tivemos que alterar as músicas que já tínhamos gravado no primeiro álbum, pois eram músicos diferentes e outros instrumentos. Desde essa altura as músicas foram-se alterando, fomo-las melhorando de concerto para concerto e evoluindo até ao ponto em que considerámos que tínhamos repertório para gravar um bom disco…

E porquê a opção pelo instrumental, apesar de haver alguma vocalização neste disco, se bem que pouca? Brincando um pouco, à falta de voz apenas?
RN – [risos] Também… Mas deve-se, essencialmente, aos instrumentos, alguns, por exemplo, feitos tradicionalmente na Suécia, que emprestam um carácter diferente devido à sonoridade que têm.
PV – O facto dos músicos novos serem instrumentistas e não cantores tem que ver com o que o grupo já trazia detrás. A nossa opção sempre foi a música instrumental até aqui – talvez um dia nos dê para fazer uma coisa diferente –, porque a música que ouvimos em casa, o que gostamos mais e o que sempre fizemos foi música instrumental. De facto, temos tido algumas colaborações pontuais com cantores, enquanto as colaborações com instrumentista solidificam mais e são mais duradouras porque se enquadram mais com o espírito do grupo desde o início.

O resultado final deste «Escarpa» corresponde ao que idealizaram quando partiram para o disco?
RN – Penso que supera…Tínhamos as nossas músicas, mas a participação do Simone e do Matteo – que conhecemos numa estadia em França durante o Euro Folk, altura em que ficou a promessa deles participarem num disco nosso – foi uma enorme mais-valia para a nossa música. Demos-lhes liberdade total, tal como à Helena na voz, e o resultado foi muito positivo, o que superou as nossas expectativas.
PV – As participações foram excepcionais e contribuíram muito para o valor do trabalho e não deixaram de nos surpreender. Estamos contentes com o disco, sendo certo que agora há pequenos reparos que faríamos, mas no global o trabalho tem qualidade e soa bem. Estamos muito contentes…

E como surgiu a possibilidade de integrarem esta iniciativa «Porto, Bairro a Bairro», que vos vai levar a quatro auditórios da cidade Invicta?
PV – Há pouco estávamos a falar sobre a dificuldade das bandas do Porto irem tocar a Lisboa, o que não deixa de ser verdade, mas também nos queixávamos de que era difícil tocar nos auditórios do Porto e, de repente, vamos tocar a quatro… [risos]. Estamos muito satisfeitos com esta iniciativa, é uma oportunidade de levar a nossa música a mais gente… Estamos contentes porque é uma iniciativa que tenta levar a música ao maior número de pessoas possível e é isso que também queremos. E como a nossa música não é cantada, por vezes, não é fácil de entrar à primeira, mas com iniciativas destas, com aposta na música instrumental e folk as pessoas vão habituando-se a ouvir e assim poderemos ter cada vez mais público.